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Contador D'Estórias

Um blog com estórias dentro.

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Dom | 13.03.16

Palavras

Carina Pereira
Perdi as palavras.Na ânsia de te escrever coisas bonitas e de fazer ver aos outros o que só eu via em ti, dei-as todas. Como oferendas, presentes que eu cuidadosamente enlaçava, para que fossem apenas teus. Pertencem-te, todas elas.Quem diz que as palavras não se gastam é porque não sabe o que é ter de arrastá-las através de becos e ruas de ninguém até elas verem o dia, sem uma única alavanca, sistema de atrito, que lhes dê algum alívio. Quem diz que as palavras não se gastam é porque nunca as viu morrer na ponta da língua por não encontrarem um porto de abrigo, uma ponte que as ajude a chegar ao outro lado.Agora, quando busco palavras, elas estão cheias dos adjectivos que te dei, exagerados, dos verbos que tu recusaste ser, amar, amar, amar, e todas as letras estão manchadas com o sabor que o teu veneno deixou nelas. Quando digo adeus, é na tua voz que o ouço, e nunca soa a até já.Tive de inventar dicionários novos para ti. Convencida de que as palavras te eram precisas, que te moldariam à minha mercê. Afinal, moldaram-se elas à tua e há em mim significados torcidos, por tua causa e minha culpa.Esperança costumava eu chamar à flor que regava todos os dias. Contigo, tornou-se no vaso pequeno demais para todas as raízes que eu precisava de criar. Abraço era a casa a que eu abria as portas para te receber; em ti era o espaço vazio cá fora que eu sentia também dentro de mim. Amar era o aconchego de uma cabeça a repousar contra um ombro, do silêncio cheio do não ser preciso dizer.  Em ti, o amor foi achares que o silêncio não mentia por omissão.Perdi as palavras porque não as consigo apartar de ti.

Carina Pereira

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