Algumas das primeiras publicações deste blog foram uma espécie de diário de bordo do meu desenvolvimento na guitarra. Entretanto, por vários motivos, parei com as aulas, mas não deixei de practicar sozinha em casa, e vou sempre notando desenvolvimento. Já há acordes - que me matavam no início - que consigo tocar, e também já me é mais fácil trocar entre acordes.Hoje de manhã encontrei a cifra desta música que gosto muito e, sendo simples, decidi gravá-la e publicar aqui. Espero que gostem.Em breve conto também ter algumas músicas originais, já há algum tempo que não faço disso. :DYou Are My SunshineOs acordes podem ser encontrados aqui.
Algumas das primeiras publicações deste blog foram uma espécie de diário de bordo do meu desenvolvimento na guitarra. Entretanto, por vários motivos, parei com as aulas, mas não deixei de practicar sozinha em casa, e vou sempre notando desenvolvimento. Já há acordes - que me matavam no início - que consigo tocar, e também já me é mais fácil trocar entre acordes.Hoje de manhã encontrei a cifra desta música que gosto muito e, sendo simples, decidi gravá-la e publicar aqui. Espero que gostem.Em breve conto também ter algumas músicas originais, já há algum tempo que não faço disso. :DYou Are My SunshineOs acordes podem ser encontrados aqui.
O Boteco Das Tertúlias apresenta-se ao serviço neste frio Março e traz com ele ainda os resquícios do final do mês passado. O discurso que o Leonardo DiCaprio proferiu nos Óscars chegou-nos ao coração - e aqueles olhos verdes também não desajudaram - e este mês falamos sobre Natureza e Alterações Climáticas.É claro que eu tinha de encontrar uma forma de, de maneira menos DiCapriana, discorrer sobre o assunto sem ter que entrar por muitas reflexões nem coisas sérias, não fosse o discurso correr-me mal e o que eu sei ser insuficiente para citar estatísticas.Assim, e fazendo jus ao nome do blog, deixo-vos um pequeno conto e, se não cito estatísticas, cito o Leonardo: "Não tomem este planeta como garantido."Afinal, é o único que tem chocolate. E DiCaprios.*
O Fim Do Mundo
Afagaste-me o ombro, de mansinho, como quem tem medo de desmoronar o que ainda resta. Destapei os olhos, as mãos ainda em ferida, e tentei afastar do meu centro o pavor do silêncio que ouvia. Olhei-te, deste alto, e tu olhaste-me daí, cara suja de quem já perdeu tudo. Ao afagares-me o ombro, assim de mansinho, tentas em vão remediar o ser já tarde.Tarde demais.Levanto-me, e sinto o meu corpo a recompor-se. Não é o que costumava ter, cheio de folhas e rios ligeiros; é árido, quente, e os rios são lixo pesado que mal corre.Andamos, não sei por quanto tempo. Tropeçamos os dois neste novo mundo que nenhum de nós conhece. Tu vais desfalecendo com a mudança e eu vou tornando-a meu hábito. O ar é diferente, mais áspero. Cheira a fumo e é quase denso, quase o consigo agarrar.Depois de muito tempo, paramos e, apesar de já não conseguir escutar os pássaros, nem ouvir já as flores a nascer, apesar de tudo se quedar aos meus pés como morto, o oceano ruge à nossa frente. Muito maior do que antes, mais revolto. Como uma criança que cresceu depressa demais e não se espraiou nuns braços ternurentos, esquecendo-se assim de aprender a amar.Cais por terra, e eu pego-te nos meus braços; sento-me assim, contigo no meu colo, o último dos teus.Eu sou a mãe natureza. Foram outros como tu que me feriram sem retorno, que me despiram de oxigénio e do canto das aves, e que foram desfalecendo na sua própria evolução.Foste o último. Agora, caído sobre mim, já não resta mais ninguém para falar de um céu azul e dos arco-íris que se viam nas gotas de chuva.Eu sou a Terra. Mesmo árida, continuo. Não é o fim do Mundo. É o teu.
Carina Pereira
*
Não se esqueçam de ler também os textos das outras meninas do Boteco nas seguintes moradas:
O Boteco Das Tertúlias apresenta-se ao serviço neste frio Março e traz com ele ainda os resquícios do final do mês passado. O discurso que o Leonardo DiCaprio proferiu nos Óscars chegou-nos ao coração - e aqueles olhos verdes também não desajudaram - e este mês falamos sobre Natureza e Alterações Climáticas.É claro que eu tinha de encontrar uma forma de, de maneira menos DiCapriana, discorrer sobre o assunto sem ter que entrar por muitas reflexões nem coisas sérias, não fosse o discurso correr-me mal e o que eu sei ser insuficiente para citar estatísticas.Assim, e fazendo jus ao nome do blog, deixo-vos um pequeno conto e, se não cito estatísticas, cito o Leonardo: "Não tomem este planeta como garantido."Afinal, é o único que tem chocolate. E DiCaprios.*
O Fim Do Mundo
Afagaste-me o ombro, de mansinho, como quem tem medo de desmoronar o que ainda resta. Destapei os olhos, as mãos ainda em ferida, e tentei afastar do meu centro o pavor do silêncio que ouvia. Olhei-te, deste alto, e tu olhaste-me daí, cara suja de quem já perdeu tudo. Ao afagares-me o ombro, assim de mansinho, tentas em vão remediar o ser já tarde.Tarde demais.Levanto-me, e sinto o meu corpo a recompor-se. Não é o que costumava ter, cheio de folhas e rios ligeiros; é árido, quente, e os rios são lixo pesado que mal corre.Andamos, não sei por quanto tempo. Tropeçamos os dois neste novo mundo que nenhum de nós conhece. Tu vais desfalecendo com a mudança e eu vou tornando-a meu hábito. O ar é diferente, mais áspero. Cheira a fumo e é quase denso, quase o consigo agarrar.Depois de muito tempo, paramos e, apesar de já não conseguir escutar os pássaros, nem ouvir já as flores a nascer, apesar de tudo se quedar aos meus pés como morto, o oceano ruge à nossa frente. Muito maior do que antes, mais revolto. Como uma criança que cresceu depressa demais e não se espraiou nuns braços ternurentos, esquecendo-se assim de aprender a amar.Cais por terra, e eu pego-te nos meus braços; sento-me assim, contigo no meu colo, o último dos teus.Eu sou a mãe natureza. Foram outros como tu que me feriram sem retorno, que me despiram de oxigénio e do canto das aves, e que foram desfalecendo na sua própria evolução.Foste o último. Agora, caído sobre mim, já não resta mais ninguém para falar de um céu azul e dos arco-íris que se viam nas gotas de chuva.Eu sou a Terra. Mesmo árida, continuo. Não é o fim do Mundo. É o teu.
Carina Pereira
*
Não se esqueçam de ler também os textos das outras meninas do Boteco nas seguintes moradas:
Era Verão, daqueles em que quando o sol se deita o horizonte vira escarlate, como que em brasa.Quando desci do avião, vinha meio zonza; tinha tomado um comprimido para dormir – o primeiro da minha vida – para descansar do medo e do aborrecimento. O livro que levara para ler dormitou também a viagem toda no meu colo, não-lido.A primeira coisa que reparei, quando assentei pés no chão, foi a imensidão do céu. Um céu muito diferente do que eu costumava olhar, do que costumava pairar sobre a minha cabeça. Azul, sem fim; sentia que, se esticasse a minha mão alto o suficiente, lhe conseguiria tocar.O Mário veio buscar-me ao aeroporto. Mal nos conhecíamos; sabia-o pelas letras e páginas que dele tinha lido – o livro que trazia comigo fora por ele escrito, com personagens tão meigas quanto o seu sorriso – e tinhamo-nos encontrado umas duas vezes em conferências. Foi, por isso, com agradável surpresa que aceitei o convite, quando me garantiu que a sua casa me acolheria se eu assim o quisesse. A oportunidade surgiu meses depois; precisava de escrever um artigo, e uns dias de férias longe de mim e dos meus parecia-me o ideal para refrescar ideias. Tentava, também eu, escrever sobre paisagens, sobre cores e sabores, e para isso precisava de sair de mim. Este chão e este céu ensinar-me-iam a ser outro alguém.A viagem para casa - era agora a minha casa, durante este espaço de quatro dias – ajudou-me a despertar. Escutava o Mário, que conduzia o jipe de tecto aberto, a falar sobre os lugares por onde passavamos. Até ali era um contador de histórias, e cada pedra tinha um segredo a revelar. Falava das árvores como se sentissem, e das casas como se dali brotassem lendas. Tudo parecia apetecível à minha volta, desde as flores amarelas à água dos riachos.Insisti em carregar a minha mala – teria agradecido a ajuda se fosse pesada, mas eu tinha trazido o menos possível; a máquina fotográfica, e os meus cadernos, trazia-os às costas, numa mochila novinha em folha que comprara para o efeito.Ele mostrou-me o meu quarto, num primeiro andar arejado e depois, em cortesia, mostrou-me o resto da casa. Só o rés-do-chão era usado. O andar de cima, dois quartos, uma biblioteca e uma casa-de-banho, eram para as visitas. Antes, explicou-me ele, dormia lá em cima, porque a vista da janela é de perder o ar, mas agora já lhe doíam os ossos quando tinha de subir as escadas, e a mulher preferia assim. Sempre fora de sonhos baixios, explicou-me com um sorriso. Eu sorri de volta, sentindo-lhe já um carinho; era como um tio perdido que eu reencontrara e reconhecera de toda a vida.Emília, a esposa, era baixa, e não tomava para si quase parte nenhuma do mundo. Discreta, quando falava quase cantava, balançava as palavras na ponta da língua. Deu-me vontade de abraçá-la. Em vez, segui-os lá para fora. O terraço, em frente à casa, tinha um jardim desarranjado – é a nossa obra de Santa Lurdes, brincavam – e flores desenquadradas, sem qualquer organização. Era acolhedor, familiar.Sentamo-nos a beber um chá frio, e foi quando tu apareceste.Trazias o cabelo desgrenhado, os caracóis caiam-te ligeiramente abaixo das orelhas, pretos como uma noite sem lua. Pareceste notar onde pousara a minha atenção, tocaste no cabelo e sorriste. Ao sorrir os teus olhos eram ainda mais pequenos, as rugas nos cantos espraiavam-se preguiçosamente, dando-te carisma e não idade. Tinhas a pele torrada pelo sol, barba de alguns dias, e as mãos sujas de terra.Henrique. Tinha-te visto algumas vezes. Lido outras tantas. Éramos colegas de profissão, embora tu e eu procurássemos histórias diferentes. Eu era objectiva, concisa, como uma jornalista sempre deve ser. Tu eras o crítico, o subjectivo, eras o meu pior pesadelo. Exagero, eu sei. Na verdade, lia-te com graça, porque tinhas coragem para ser quem eu nem sequer ousava.Não te achava bonito. Interessante, sim. Tinhas aquele qualquer charme que a rebeldia dá. Despreendido, certamente. Talvez tivesse sido isso a puxar-me para ti: ter entendido que nunca pertencerias a ninguém. Às vezes, também me engano.Tinha de trabalhar. No dia seguinte era tempo de me sentar a sós comigo mesma e começar a alinhavar o que, semanas antes, tinha já planeado. É claro que os meus planos iam sair todos forjados, e eu sabia-o de antemão. Em alturas caminhamos em frente como se não soubessemos o que está prestes a acontecer, mas sabendo-o bem.Ficaste connosco, pegaste num copo para ti – sujaste-o de terra e depois, limpaste as mãos aos calções que trazias – e bebeste de um trago. Só depois, de garganta fresca, estendeste-me a mão, já o Mário nos apresentava. Ainda assim, sujaste a minha. Não me importei.Éramos quatro, sentados no terraço, num final de tarde quente, a beber chá de limão frio e doce, e a conversar preguiçosamente sobre nada. Senti que o tempo aqui, era diferente, que se arrastava pelas frestas da nossa conversa e abrandava. Ou, talvez, fosse apenas porque os dias eram longos, e as noites começavam muito depois daquilo a que eu estava habituada.Horas depois do jantar, um jantar em que nos alimentámos também da companhia uns do outros, em que as bebidas frescas continuaram a ser servidas com mais histórias, e o riso de quem escutava condimentou o serão, subimos juntos para o piso superior. Eu estava cansada. Tinha pedido permissão a Mário para lhe espiolhar a biblioteca daquele piso, mas o sono parecia estar a levar-me a melhor.Vocês eram amigos; tinhas lido as obras dele, tinhas criticado o seu trabalho e, mesmo nas divergências mas, sobretudo, nos ideais parecidos, tinham atado laços cegos, daqueles que uma vida não desamarra. Emília tratava-te como um irmão mais novo, e até a terra debaixo dos teus pés, que lhes pertencia, parecia ter-se curvado à tua presença. Era assídua; conhecias a casa e os terrenos em volta, tratavas das flores – daí a desordenação do jardim, vim a descobrir mais tarde – mesmo sem perceberes nada sobre elas e dos esforços vãos de Emília e Mário para te ensinarem, e quando aqui regressavas deixavas mais do que companhia.Alguns dos livros ali, na biblioteca daquele piso que nos tinham oferecido, explicaste-me, eram teus. Alguns comprados, a maioria oferecidos. Sempre os trazias para que, também eles, os pudessem ler.Vi para lá da janela, sem haver verdadeiramente nada para ver. O verde dos campos era agora noite, e ao fundo distinguia-se a silhueta de algumas casas, ainda iluminadas, ainda por ir deitar. Quando olhei para cima um mar de estrelas equilibrava-se no petróleo do céu. Não reconheci nenhuma constelação; como disse, este céu não era o meu.Despedi-me, um boa-noite marinado em cansaço, e tu respondeste da mesma forma. Antes de fechar a porta do quarto olhei para trás. Seria capaz de me apaixonar por ti?, questionei-me, enquanto acendias a luz do teu quarto e a tua sombra se iluminava. Talvez, mas não tinha de o fazer. Não tinha de o fazer.
Era Verão, daqueles em que quando o sol se deita o horizonte vira escarlate, como que em brasa.Quando desci do avião, vinha meio zonza; tinha tomado um comprimido para dormir – o primeiro da minha vida – para descansar do medo e do aborrecimento. O livro que levara para ler dormitou também a viagem toda no meu colo, não-lido.A primeira coisa que reparei, quando assentei pés no chão, foi a imensidão do céu. Um céu muito diferente do que eu costumava olhar, do que costumava pairar sobre a minha cabeça. Azul, sem fim; sentia que, se esticasse a minha mão alto o suficiente, lhe conseguiria tocar.O Mário veio buscar-me ao aeroporto. Mal nos conhecíamos; sabia-o pelas letras e páginas que dele tinha lido – o livro que trazia comigo fora por ele escrito, com personagens tão meigas quanto o seu sorriso – e tinhamo-nos encontrado umas duas vezes em conferências. Foi, por isso, com agradável surpresa que aceitei o convite, quando me garantiu que a sua casa me acolheria se eu assim o quisesse. A oportunidade surgiu meses depois; precisava de escrever um artigo, e uns dias de férias longe de mim e dos meus parecia-me o ideal para refrescar ideias. Tentava, também eu, escrever sobre paisagens, sobre cores e sabores, e para isso precisava de sair de mim. Este chão e este céu ensinar-me-iam a ser outro alguém.A viagem para casa - era agora a minha casa, durante este espaço de quatro dias – ajudou-me a despertar. Escutava o Mário, que conduzia o jipe de tecto aberto, a falar sobre os lugares por onde passavamos. Até ali era um contador de histórias, e cada pedra tinha um segredo a revelar. Falava das árvores como se sentissem, e das casas como se dali brotassem lendas. Tudo parecia apetecível à minha volta, desde as flores amarelas à água dos riachos.Insisti em carregar a minha mala – teria agradecido a ajuda se fosse pesada, mas eu tinha trazido o menos possível; a máquina fotográfica, e os meus cadernos, trazia-os às costas, numa mochila novinha em folha que comprara para o efeito.Ele mostrou-me o meu quarto, num primeiro andar arejado e depois, em cortesia, mostrou-me o resto da casa. Só o rés-do-chão era usado. O andar de cima, dois quartos, uma biblioteca e uma casa-de-banho, eram para as visitas. Antes, explicou-me ele, dormia lá em cima, porque a vista da janela é de perder o ar, mas agora já lhe doíam os ossos quando tinha de subir as escadas, e a mulher preferia assim. Sempre fora de sonhos baixios, explicou-me com um sorriso. Eu sorri de volta, sentindo-lhe já um carinho; era como um tio perdido que eu reencontrara e reconhecera de toda a vida.Emília, a esposa, era baixa, e não tomava para si quase parte nenhuma do mundo. Discreta, quando falava quase cantava, balançava as palavras na ponta da língua. Deu-me vontade de abraçá-la. Em vez, segui-os lá para fora. O terraço, em frente à casa, tinha um jardim desarranjado – é a nossa obra de Santa Lurdes, brincavam – e flores desenquadradas, sem qualquer organização. Era acolhedor, familiar.Sentamo-nos a beber um chá frio, e foi quando tu apareceste.Trazias o cabelo desgrenhado, os caracóis caiam-te ligeiramente abaixo das orelhas, pretos como uma noite sem lua. Pareceste notar onde pousara a minha atenção, tocaste no cabelo e sorriste. Ao sorrir os teus olhos eram ainda mais pequenos, as rugas nos cantos espraiavam-se preguiçosamente, dando-te carisma e não idade. Tinhas a pele torrada pelo sol, barba de alguns dias, e as mãos sujas de terra.Henrique. Tinha-te visto algumas vezes. Lido outras tantas. Éramos colegas de profissão, embora tu e eu procurássemos histórias diferentes. Eu era objectiva, concisa, como uma jornalista sempre deve ser. Tu eras o crítico, o subjectivo, eras o meu pior pesadelo. Exagero, eu sei. Na verdade, lia-te com graça, porque tinhas coragem para ser quem eu nem sequer ousava.Não te achava bonito. Interessante, sim. Tinhas aquele qualquer charme que a rebeldia dá. Despreendido, certamente. Talvez tivesse sido isso a puxar-me para ti: ter entendido que nunca pertencerias a ninguém. Às vezes, também me engano.Tinha de trabalhar. No dia seguinte era tempo de me sentar a sós comigo mesma e começar a alinhavar o que, semanas antes, tinha já planeado. É claro que os meus planos iam sair todos forjados, e eu sabia-o de antemão. Em alturas caminhamos em frente como se não soubessemos o que está prestes a acontecer, mas sabendo-o bem.Ficaste connosco, pegaste num copo para ti – sujaste-o de terra e depois, limpaste as mãos aos calções que trazias – e bebeste de um trago. Só depois, de garganta fresca, estendeste-me a mão, já o Mário nos apresentava. Ainda assim, sujaste a minha. Não me importei.Éramos quatro, sentados no terraço, num final de tarde quente, a beber chá de limão frio e doce, e a conversar preguiçosamente sobre nada. Senti que o tempo aqui, era diferente, que se arrastava pelas frestas da nossa conversa e abrandava. Ou, talvez, fosse apenas porque os dias eram longos, e as noites começavam muito depois daquilo a que eu estava habituada.Horas depois do jantar, um jantar em que nos alimentámos também da companhia uns do outros, em que as bebidas frescas continuaram a ser servidas com mais histórias, e o riso de quem escutava condimentou o serão, subimos juntos para o piso superior. Eu estava cansada. Tinha pedido permissão a Mário para lhe espiolhar a biblioteca daquele piso, mas o sono parecia estar a levar-me a melhor.Vocês eram amigos; tinhas lido as obras dele, tinhas criticado o seu trabalho e, mesmo nas divergências mas, sobretudo, nos ideais parecidos, tinham atado laços cegos, daqueles que uma vida não desamarra. Emília tratava-te como um irmão mais novo, e até a terra debaixo dos teus pés, que lhes pertencia, parecia ter-se curvado à tua presença. Era assídua; conhecias a casa e os terrenos em volta, tratavas das flores – daí a desordenação do jardim, vim a descobrir mais tarde – mesmo sem perceberes nada sobre elas e dos esforços vãos de Emília e Mário para te ensinarem, e quando aqui regressavas deixavas mais do que companhia.Alguns dos livros ali, na biblioteca daquele piso que nos tinham oferecido, explicaste-me, eram teus. Alguns comprados, a maioria oferecidos. Sempre os trazias para que, também eles, os pudessem ler.Vi para lá da janela, sem haver verdadeiramente nada para ver. O verde dos campos era agora noite, e ao fundo distinguia-se a silhueta de algumas casas, ainda iluminadas, ainda por ir deitar. Quando olhei para cima um mar de estrelas equilibrava-se no petróleo do céu. Não reconheci nenhuma constelação; como disse, este céu não era o meu.Despedi-me, um boa-noite marinado em cansaço, e tu respondeste da mesma forma. Antes de fechar a porta do quarto olhei para trás. Seria capaz de me apaixonar por ti?, questionei-me, enquanto acendias a luz do teu quarto e a tua sombra se iluminava. Talvez, mas não tinha de o fazer. Não tinha de o fazer.
... há já algum tempo, mas o maldito ainda não está pronto! Por isso, a ver se a coisa avança, vou começar a publicar pequenos capítulos.Hoje ainda publico o primeiro!
... há já algum tempo, mas o maldito ainda não está pronto! Por isso, a ver se a coisa avança, vou começar a publicar pequenos capítulos.Hoje ainda publico o primeiro!
Perdi as palavras.Na ânsia de te escrever coisas bonitas e de fazer ver aos outros o que só eu via em ti, dei-as todas. Como oferendas, presentes que eu cuidadosamente enlaçava, para que fossem apenas teus. Pertencem-te, todas elas.Quem diz que as palavras não se gastam é porque não sabe o que é ter de arrastá-las através de becos e ruas de ninguém até elas verem o dia, sem uma única alavanca, sistema de atrito, que lhes dê algum alívio. Quem diz que as palavras não se gastam é porque nunca as viu morrer na ponta da língua por não encontrarem um porto de abrigo, uma ponte que as ajude a chegar ao outro lado.Agora, quando busco palavras, elas estão cheias dos adjectivos que te dei, exagerados, dos verbos que tu recusaste ser, amar, amar, amar, e todas as letras estão manchadas com o sabor que o teu veneno deixou nelas. Quando digo adeus, é na tua voz que o ouço, e nunca soa a até já.Tive de inventar dicionários novos para ti. Convencida de que as palavras te eram precisas, que te moldariam à minha mercê. Afinal, moldaram-se elas à tua e há em mim significados torcidos, por tua causa e minha culpa.Esperança costumava eu chamar à flor que regava todos os dias. Contigo, tornou-se no vaso pequeno demais para todas as raízes que eu precisava de criar. Abraço era a casa a que eu abria as portas para te receber; em ti era o espaço vazio cá fora que eu sentia também dentro de mim. Amar era o aconchego de uma cabeça a repousar contra um ombro, do silêncio cheio do não ser preciso dizer. Em ti, o amor foi achares que o silêncio não mentia por omissão.Perdi as palavras porque não as consigo apartar de ti.
Perdi as palavras.Na ânsia de te escrever coisas bonitas e de fazer ver aos outros o que só eu via em ti, dei-as todas. Como oferendas, presentes que eu cuidadosamente enlaçava, para que fossem apenas teus. Pertencem-te, todas elas.Quem diz que as palavras não se gastam é porque não sabe o que é ter de arrastá-las através de becos e ruas de ninguém até elas verem o dia, sem uma única alavanca, sistema de atrito, que lhes dê algum alívio. Quem diz que as palavras não se gastam é porque nunca as viu morrer na ponta da língua por não encontrarem um porto de abrigo, uma ponte que as ajude a chegar ao outro lado.Agora, quando busco palavras, elas estão cheias dos adjectivos que te dei, exagerados, dos verbos que tu recusaste ser, amar, amar, amar, e todas as letras estão manchadas com o sabor que o teu veneno deixou nelas. Quando digo adeus, é na tua voz que o ouço, e nunca soa a até já.Tive de inventar dicionários novos para ti. Convencida de que as palavras te eram precisas, que te moldariam à minha mercê. Afinal, moldaram-se elas à tua e há em mim significados torcidos, por tua causa e minha culpa.Esperança costumava eu chamar à flor que regava todos os dias. Contigo, tornou-se no vaso pequeno demais para todas as raízes que eu precisava de criar. Abraço era a casa a que eu abria as portas para te receber; em ti era o espaço vazio cá fora que eu sentia também dentro de mim. Amar era o aconchego de uma cabeça a repousar contra um ombro, do silêncio cheio do não ser preciso dizer. Em ti, o amor foi achares que o silêncio não mentia por omissão.Perdi as palavras porque não as consigo apartar de ti.
...ou simplesmente para aqueles que gostam de ter catalogados os filmes que já viram, ou que gostariam de ver.Letterboxd é um site que permite fazer isto tudo, além de nos dar acesso a várias reviews de outros utilizadores, e ser uma forma simples de nos mantermos a par das novidades do mundo cinematográfico.Entre os dezoito e os vinte e poucos anos eu costumava passar tardes inteiras de fim-de-semana a ver filmes - ainda os alugava na Blockbuster - e neste momento tenho mesmo vontade de voltar às maratonas, de saber o que está aí a sair, e de me entreter também com estas histórias, que se contam através de um ecrã.Letterboxd parece-me uma boa forma de tornar a experiência ainda mais interactiva.Caso se inscrevam podem seguir o meu perfil aqui, como Cee5!Bom Domingo a todos!
...ou simplesmente para aqueles que gostam de ter catalogados os filmes que já viram, ou que gostariam de ver.Letterboxd é um site que permite fazer isto tudo, além de nos dar acesso a várias reviews de outros utilizadores, e ser uma forma simples de nos mantermos a par das novidades do mundo cinematográfico.Entre os dezoito e os vinte e poucos anos eu costumava passar tardes inteiras de fim-de-semana a ver filmes - ainda os alugava na Blockbuster - e neste momento tenho mesmo vontade de voltar às maratonas, de saber o que está aí a sair, e de me entreter também com estas histórias, que se contam através de um ecrã.Letterboxd parece-me uma boa forma de tornar a experiência ainda mais interactiva.Caso se inscrevam podem seguir o meu perfil aqui, como Cee5!Bom Domingo a todos!
És Primavera e esplendorE no teu corpo brotam pétalasQue me fogem por entre as mãos.Eu, sou todo eu um cardo,Um não saber amar-te ao certo,Decepador das nascesças do teu coração.És Primavera e esplendorE eu, ateia-fogos que nunca aprendeuA atravessar sem medo o teu jardim.Talvez, se eu acreditasse em Deus,Te reconhecesse como milagreE as minhas mãos calejadas não fossem tão incapazes.Mas não foi Deus quem a mim te trouxe;Tivesse sido e dar-me-ia ao certo um coração aberto,Um coração que fosse terra fértilPara as raízes que em ti se erguem.Olha ali, no horizonte, que o Verão se aproxima.Não durámos mais do que uma estação;És Primavera, toda tu em florE eu, toda a cinza deste chão.
És Primavera e esplendorE no teu corpo brotam pétalasQue me fogem por entre as mãos.Eu, sou todo eu um cardo,Um não saber amar-te ao certo,Decepador das nascesças do teu coração.És Primavera e esplendorE eu, ateia-fogos que nunca aprendeuA atravessar sem medo o teu jardim.Talvez, se eu acreditasse em Deus,Te reconhecesse como milagreE as minhas mãos calejadas não fossem tão incapazes.Mas não foi Deus quem a mim te trouxe;Tivesse sido e dar-me-ia ao certo um coração aberto,Um coração que fosse terra fértilPara as raízes que em ti se erguem.Olha ali, no horizonte, que o Verão se aproxima.Não durámos mais do que uma estação;És Primavera, toda tu em florE eu, toda a cinza deste chão.
Chegaste de sorriso nos lábios e olhos contentes por me ver. Abri-te a porta de minha casa e espreitei para a caixa de cartão que carregavas nos braços; discos, de bandas que eu mal conhecia na altura e que agora sei de cor. E não só os nomes, mas as músicas, as letras, cada entrelinha por contar que tu encontravas ao escutá-las. Música triste, na sua maioria, de sotaque britânico e dialectos que eu mal entendia.Sentámo-nos os dois no chão da sala, encostados ao sofá e um ao outro, e tu tomaste conta da minha aprelhagem antiga como se a conhececes melhor do que me sabias já a mim. E a música rodou, vezes sem conta, e das tuas mãos para as minhas passaram os booklets, e da tua boca para a minha passaram os tons, os sons, e os beijos que me davas, até a música se perder em ruído de fundo, e as tuas mãos me percorrerem com a mesma minúcia com que um maestro percorre as notas de uma pauta. Eram assim as nossas tardes: infinitas e perdidas em cantigas de amor. Eram de amor, se as escutávamos. Eram todas de amor em nós.Um dia, quando eu já te sabia tão de cor quanto as músicas que tu me deras e que agora nos pertenciam, aos dois, e tu já me sabias tão de cor quanto eu te sabia a ti, baixaste o volume e pousaste a cabeça no meu ombro. Baixinho, como quem recita em segredo uma poesia, disseste:- Se um dia nos separarmos todas estas músicas me vão lembrar de ti.Levantei os olhos do desenho que fazia.- Nunca as ofereceste a mais ninguém?- Nunca. – afirmaste, numa jura – Se algum dia nos separarmos, todas estas músicas vão ser nossas, e eu não as vou poder ouvir mais.Sorri, com satisfação.- Então, acho que vamos ter que ficar juntos para sempre.Olhares presos, de quem está seguro de que a vida é melhor porque está entrelaçada neste emaranhado chamado amor.Voltei ao meu desenho nesse instante em que respondeste:- Acho que vamos mesmo.Abriste a mão. Era brilhante o que me oferecias, mas simples, como eram simples as nossas tardes à volta destes discos e deste amor.- Casas comigo?Por todas as músicas que para ti e por ti cantei, por todos os discos que escolhemos juntos e aos quais enchemos com as nossas histórias, por todas as tardes em que nos encostámos ao sofá, e um ao outro, sabias já a minha resposta. Entoei-a na mesma, como quem entoa o refrão da sua música favorita. Tu sempre foste a minha.
Chegaste de sorriso nos lábios e olhos contentes por me ver. Abri-te a porta de minha casa e espreitei para a caixa de cartão que carregavas nos braços; discos, de bandas que eu mal conhecia na altura e que agora sei de cor. E não só os nomes, mas as músicas, as letras, cada entrelinha por contar que tu encontravas ao escutá-las. Música triste, na sua maioria, de sotaque britânico e dialectos que eu mal entendia.Sentámo-nos os dois no chão da sala, encostados ao sofá e um ao outro, e tu tomaste conta da minha aprelhagem antiga como se a conhececes melhor do que me sabias já a mim. E a música rodou, vezes sem conta, e das tuas mãos para as minhas passaram os booklets, e da tua boca para a minha passaram os tons, os sons, e os beijos que me davas, até a música se perder em ruído de fundo, e as tuas mãos me percorrerem com a mesma minúcia com que um maestro percorre as notas de uma pauta. Eram assim as nossas tardes: infinitas e perdidas em cantigas de amor. Eram de amor, se as escutávamos. Eram todas de amor em nós.Um dia, quando eu já te sabia tão de cor quanto as músicas que tu me deras e que agora nos pertenciam, aos dois, e tu já me sabias tão de cor quanto eu te sabia a ti, baixaste o volume e pousaste a cabeça no meu ombro. Baixinho, como quem recita em segredo uma poesia, disseste:- Se um dia nos separarmos todas estas músicas me vão lembrar de ti.Levantei os olhos do desenho que fazia.- Nunca as ofereceste a mais ninguém?- Nunca. – afirmaste, numa jura – Se algum dia nos separarmos, todas estas músicas vão ser nossas, e eu não as vou poder ouvir mais.Sorri, com satisfação.- Então, acho que vamos ter que ficar juntos para sempre.Olhares presos, de quem está seguro de que a vida é melhor porque está entrelaçada neste emaranhado chamado amor.Voltei ao meu desenho nesse instante em que respondeste:- Acho que vamos mesmo.Abriste a mão. Era brilhante o que me oferecias, mas simples, como eram simples as nossas tardes à volta destes discos e deste amor.- Casas comigo?Por todas as músicas que para ti e por ti cantei, por todos os discos que escolhemos juntos e aos quais enchemos com as nossas histórias, por todas as tardes em que nos encostámos ao sofá, e um ao outro, sabias já a minha resposta. Entoei-a na mesma, como quem entoa o refrão da sua música favorita. Tu sempre foste a minha.